domingo, 2 de setembro de 2012

O SOL É PARA TODOS


O SOL É PARA TODOS
 
 
 
 

 

TO KILL A MOCKINGBIRD / O SOL É PARA TODOS

Produção: EUA / 1962

Direção: Robert Mulligan

Elenco: Gregory Peck / Robert Duvall

Duração: 129 min.

 

Sinopse: Jean Louise Finch (Mary Badham) recorda que em 1932, quando tinha seis anos, Macomb, no Alabama, já era um lugarejo velho. Nesta época Tom Robinson (Brock Peters), um jovem negro, foi acusado de estuprar Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton), uma jovem branca. Seu pai, Atticus Finch (Gregory Peck), um advogado extremamente íntegro, concordou em defendê-lo e, apesar de boa parte da cidade ser contra sua posição, ele decidiu ir adiante e fazer de tudo para absolver o réu.

 

 

Não me recordo da primeira vez que assisti a este filme, provavelmente era garoto e, com certeza gostei muito, pois passados vários anos, eu lecionando em uma escola particular montei um projeto a respeito da utilização do vídeo em sala de aula, algo que na época ainda não era muito habitual. Como temática escolhi a questão racial norte-americana. Um dos filmes selecionados por mim foi este maravilhoso libelo à liberdade, que na verdade vai muito além da questão racial. Tal aspecto apenas reveste este filme, que gradativamente se revela muito mais poderoso, pois nos leva ao âmago de algo muito mais importante: o humanismo presente em nossos atos e condutas morais. As imagens e diálogos precisos nos remetem à seguinte reflexão: vale a pena ser bom? O que é ser bom? Será que para sermos bons, íntegros e honestos temos que lutar e por que não dizer perder? Quando lutamos por nossos princípios, ideais e valores somos sempre vencedores, independentemente do resultado final? Para Atticus Finch, o protagonista, a resposta para todas estas perguntas é sim.

            Quando me interessei em incluir este filme em meu projeto procurei ler o livro de Harper Lee, vencedor do Pulitzer em 1961, To kill a Mockingbird , um belo título que infelizmente foi substituído em sua versão para o português.. Ao ler o livro me apaixonei ainda mais pela história, com a facilidade da autora em colocar em uma única trama a reflexão a respeito de tantos temas: o mundo da infância com suas fantasias e incompreensões, a gradativa transformação para o mundo dos adultos com toda sua violência e sofrimento, a miséria e ignorância presentes em uma sociedade que vivia as conseqüências da grande crise de 29, o racismo, preconceito e intolerância, e acima de tudo: ética e valores morais sólidos diante de um mundo com tantas resistências em se tornar justo e livre.

            A trilha sonora de Elmer Bernstein é uma das mais belas do cinema. A cena de abertura também é de uma delicadeza e encantamento raramente vistos. Desfila diante de nossos olhos uma série de objetos: uma bola de gude, um pião, um relógio, bonecos de madeira, etc. Ao mesmo tempo uma mão de criança faz em um caderno o desenho de um pássaro, o tal do sabiá do título, de repente um rasgo e estamos nas primeiras imagens de Maycomb, a velha cidade sulista. Ouvimos é claro, o som dos pássaros e a voz da agora mulher, Scout ou Jean Loise,  filha de Atticus, e narradora da história. A abertura na verdade é uma síntese da trama, daí a sua mérito e beleza. A direção é sensível, um pleonasmo, em se tratando de Robert Mulligan, a reconstituição de época precisa, com um brilhante trabalho de direção de arte além da maravilhosa fotografia em preto e branco.

            Maycomb é uma cidade monótona, onde as pessoas não têm muito que fazer e nem comprar, como diz Scout, para ela a sensação é a de que o dia tem uma duração muito maior do que 24 horas, fato este que realmente pode ser comprovado pela imagem da cidade como também pelo fato de ser criança e como tal, o tempo ter outra duração, diferentemente do chamado “mundo dos adultos.” Ela tem seis anos e seu irmão, Jem, dez. São órfãos de mãe e vivem com o pai e a empregada Cal. Ao final do filme se passaram cerca de dois a três anos e podemos observar que os dois irmãos já não são as crianças do início da trama, pois os acontecimentos que se desenrolaram na cidade e que os atingiram diretamente acabaram por trazer mudanças significativas em suas formações. Atticus é advogado e provavelmente por sua retidão de caráter é chamado pelo Juiz da pequena cidade a defender um negro acusado de estupro contra uma moça branca. Mesmo quem não leu o livro e que está assistindo o filme pela primeira vez, sabe que o negro é inocente e que, com certeza, Atticus irá sofrer na pele as conseqüências de sua decisão. Enquanto isso, os dois irmãos vivem em um mundo de fantasias, criando personagens ameaçadores na vizinhança, como o famoso Boo Radley, um sujeito que segundo eles, vivia acorrentado no porão de sua casa e que, ao final da trama irá se revelar a todos, originando o título original. Se junta a eles o garoto Dill, um menino com quase sete anos que se vangloria do pai que, entretanto, é ausente em sua formação. Este menino aparece durante as férias e fica na casa de uma tia, vizinha de Atticus. Cada vez que ele surge, observamos com mais detalhes a passagem do tempo e as mudanças em nossos personagens.

            O personagem de Atticus é fascinante. Em vários momentos ele demonstra não só em sua fala, mas também em seus atos e olhares sua profunda convicção em fazer aquilo que acreditava ser o correto. Dá-nos maravilhosos exemplos de como se educar crianças, estando sempre presente e valorizando a todo o momento a fala dos filhos, ele não os pune, mas os leva a observar suas falhas e erros. Gregory Peck, que ganhou um Oscar por esse papel, declarou várias vezes que foi o personagem que mais se identificou com ele, isto porque ele era um ator atuante nos movimentos civis da sociedade americana. Mas, retomando a questão educacional, Atticus permite, por exemplo, que sua filha o chame pelo nome e não de pai, em outra cena, quando o filho se recusa a descer de sua casa na árvore para comer, ele apenas diz “Você quem sabe.” Ou seja, sua autoridade não é imposta, percebemos desde o início que estamos diante de um personagem incompatível em uma sociedade sulista, conservadora e autoritária em sua essência, isto se torna ainda mais evidente não só através da conduta de outros personagens, como também pelo fato de estarmos nos referindo ao início dos anos 30.

            Seu filho Jem reclama que Atticus não aceita jogar futebol, ele não se conforma com os argumentos do pai que diz estar “velho”, mas passa realmente a aceitar esta possibilidade, a de que tem um pai, digamos “superado”. Até que um dia, Atticus mata com grande distância um cachorro com raiva e Jem fica sabendo pelo xerife que ele é o melhor atirador da cidade. Esta questão é muito pertinente para o universo infantil, o pai que é visto como herói passa em um determinado momento a ser questionado: “será que meu pai é realmente aquilo que eu acho que ele é?” O olhar de admiração e surpresa do filho após a morte do cão, ilustra como nunca a reconquista do posto de herói por parte de Atticus, mas sem que para isso ele se vangloriasse, nisto esta uma das virtudes de um grande educador, deixar com que o outro adquira sua própria percepção. Naquele momento Jem aprendeu o que é responsabilidade. A arma também é muito importante na trama, pois fundamenta o título original do livro/filme: Atticus diz aos filhos que quando recebeu do pai uma espingarda, este o orientou que era pecado matar um sabiá. Questionado pela filha, sua resposta é a seguinte:

            “Acho que porque é a única coisa que os sábias fazem é cantar para o nosso deleite. Não mexem no jardim, não fazem ninho no milharal. Eles simplesmente cantam muito para nós.”

            Temos outras cenas onde o pai demonstra todo seu afeto, carinho e responsabilidade em bem educar os filhos.

            Quando Scout briga na escola, sua orientação é a seguinte:

            “Se você aprender um truque vai se dar melhor com todo mundo. Você nunca entende realmente uma pessoa até ver as coisas do ponto de vista dela. Até estar na pele dela e sentir o que ela sente.”

            “Eu apenas estou defendendo um negro, Tom Robinson. Andam falando pela cidade que eu não deveria defender este homem.”

            A garota insiste:

            “Se não deveria porque o defende?”

            “Por várias razões... a principal é que se não o defendesse eu não andaria de cabeça erguida. E não teria direito de dizer a você ou ao Jem para não fazerem algo.”

            Isto é Humanismo.

            As crianças por sua vez assimilam rapidamente os ensinamentos do pai e percebemos que o medo infantil da escuridão da noite com suas sombras e ruídos de animais e do vento, cedem lugar a violência do mundo adulto:

            “Há muita coisa feia neste mundo filho, queria poder mantê-las todas longe de você. Nunca é possível.”

            Quando Atticus é obrigado a passar a noite na frente da cadeia para evitar o linchamento de seu cliente, acaba sendo salvo pelos próprios filhos que se recusam a voltar para casa e deixar o pai naquela situação, Jem, o mais velho age com profunda coragem enquanto Scout, faz uso da inocência infantil que está com os dias contados para ela.

            A conduta de Atticus é política, ele aplica preceitos da não violência de Gandhi e de Luther King. Ele recebe um cuspe na cara, mas não revida, ele perde no tribunal, seus filhos são agredidos, mas... Ele desmascara seus delatores, ele tem dignidade moral para criticar a sociedade em que vive, ele é reconhecido como um homem de bem como na arrepiante cena do final do julgamento, onde todos os negros se levantam e o reverendo, líder da comunidade afrodescendente, diz a Scout:

            “Srta. Jean Louise levante-se. O seu pai está passando.”

            Sem dúvida o mundo seria muito melhor se tivéssemos mais Atticus Finch por perto, não só para educar nossas crianças como para enfrentar as injustiças que sofremos todos os dias, em todos os momentos, nas mais variadas situações e, por uma quantidade cada vez maior de pessoas.

3 comentários:

  1. O livro é maravilhoso ,e o filme é muito bom. A resenha é justificável, aberta, ampla e inteligente. Gostei muito deste blog. Boa sorte, Marcelo.

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  2. Boa noite. Você faz ideia de como foi feita a cena do crazy dog? Estou investigando mas não encontro respostas em nenhum site.

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