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QUANDO SÓ O CORAÇÃO VÊ / A PATCH OF BLUE
EUA / 1965 / DUR: 105’
DIR: Guy Green
Elenco: Sidney Poitier,
Shelley Winters, Elizabeth Hartman, Wallace Ford
Baseado na obra Be ready with bells and drums / 1961 /
Elizabeth Kata.
Talvez ao lado de O sol é para todos (To kill a Mockinbird /
1962 - resenhado neste blog), este Quando
só o coração vê (EUA/1965), seja
o filme mais sensível e delicado da década de 60. Ao contrário do primeiro com
ênfase centrada no conflito racial no sul dos EUA nos anos 30, este é contemporâneo
à aprovação da lei dos direitos civis de 1964. Entretanto, aqui a temática
racial não é o aspecto central, mas sim uma espécie de “pano de fundo” dos
problemas da protagonista cega e de sua relação com um homem negro.
Sidney Poitier, um dos grandes atores da velha Hollywood,
personificou em seus filmes o papel do “negro de bem”, do bom moço de classe
média que se incorpora no mundo dos brancos em um país dividido racialmente.
Aceito pelo establishment foi contestado pelos movimentos negros da época. Apesar de
tentar fugir dessa caracterização em seus filmes, Poitier ficou marcado justamente
por isso . Aqui, interferiu no
roteiro baseado em obra de Elizabeth Kata, de maneira que o filme explorasse
muito mais a relação amorosa entre os protagonistas do que a questão racial.
Selina (Elizabeth
Hartman) é a personagem do abandono, pertence a uma baixa classe social, vive
praticamente em um único cômodo com sua mãe Rose-Ann (Shelley Winters, que
conquistou seu segundo Oscar de coadjuvante com este papel), e o avô Ole Pa
(Wallace Ford). A mãe flerta com a prostituição e o avô é alcoólatra. Ela tem 18 anos, tornou-se cega aos 5 por um
ato involuntário da própria mãe, não tem amigas e nem estudo algum, não sabe o
que é braile e vive como uma empregada doméstica: está envolvida na
arrumação da casa, prepara o
jantar para a mãe e o avô e ainda monta bijuterias para um senhor que as revende. Trabalha em troca de
uma cama e alimento. Não recebe afeto algum, o pai a abandonou quando flagrou
uma traição da esposa.
Sua única distração e alegria é quando pode passar um dia em um parque levada pelo avô ou pelo senhor que a contrata para os serviços com as miçangas e bijuterias. Só retorna à noite, quando o avô – sempre bêbado - vai buscá-la. Ela é tão maltratada e rejeitada pela mãe que o expectador tem dificuldades em identificar Rose-Ann como sua genitora. O olhar de quem assiste direciona-se então ao avô no sentido de encontrar um ponto de referência e humanidade capaz de blindar a protagonista da mãe. Entretanto, não demora muito para observarmos que ambos possuem o mesmo repertório de maldades.
A vida de Selina segue nesta rotina até que um dia ela conhece Gordon (Sidney Poitier). Em mais um papel de bom moço, ele logo se compadece da moça cega e abandonada no parque: compra-lhe um óculos de sol para esconder as cicatrizes que possui no rosto devido ao acidente, leva-a ao mercado, ensina-lhe como atravessar a rua, mostra os pontos cardeais a partir da sensação do sol, presenteia-a com um manual da escrita em braile, convida-a com frequência para saborear suco de abacaxi que ela tanto gostou mas desconhecia até então, também a leva para almoçar em sua casa e presenteia-lhe com uma caixinha de música que era de sua avó. É só neste momento que Gordon descobre que Selina teve uma única amiga com nove anos de idade que, entretanto, deixou de visita-la quando sua mãe descobriu que ela era “de cor” (termo muito utilizado na época para se referir a pessoas afrodescendentes).
Reside com Gordon seu irmão que é médico. A princípio, com sutileza, mas, depois de forma mais direta é este personagem que apresenta de forma mais precisa a questão racial: “Deixe os brancos cuidarem de seus filhos brancos”. Na época, a relação entre um homem negro e uma mulher branca era punida em vários estados sulistas. No filme, observamos que estamos em uma cidade cosmopolita (provavelmente Nova York), mesmo assim, o fantasma da segregação racial ainda era muito forte em todo o país.
Mesmo preocupado e aparentemente chocado com o racismo da mãe de Selina, Gordon segue em frente na sua motivação de proteger e oferecer melhores condições para sua amiga e pupila. Não há interesse carnal em suas motivações. Isso fica evidente quando ele explana as formas de amor que não se limitam a uma relação matrimonial. Selina, por sua vez, não se envergonha em narrar a ele, o que presenciamos em imagens, quando foi violentada por um dos “amigos da mãe”. Para ela aquilo era sinal de que “conhecia as coisas da vida”. A naturalidade com que relata o abuso consolida em Gordon a necessidade de ajudá-la: coloca-la em uma escola para cegos passa a ser seu maior objetivo. Por sua vez, para quem foi maltratada a vida inteira, apaixonar-se pelo único “anjo da guarda” que surgiu em sua vida era algo mais do que natural.
Fazer com que ela compreenda a diversidade de afetos existentes e dar um novo significado à sua vida, passa a ser o maior desafio de Gordon. Ao final, a vitória sobre o abandono, por mais doloroso que seja alegra o coração de quem acompanhou a triste trajetória de Selina.
O filme tem como maior mérito a extrema simplicidade
narrativa. A brilhante trilha sonora de Jerry Goldsmith (indicada ao Oscar)
lembra a trilha de Elmer Bernstein em O
sol é para todos, a fotografia em preto e branco de Robert Burks
(colaborador em vários filmes de Hitchcock) também indicada ao Oscar juntamente
com a direção de arte, é muito bonita. No parque,
os planos se ampliam, simbolizando a vida que se
abre a Selina, já no pequeno apartamento, se fecham de forma claustrofóbica
demonstrando toda a angústia da personagem. Shelley Winters compõe o papel que
a consagrou: a da matrona dura e rude, e, nesse
caso, má. Sidney Poitier e Elisabeth Hartman (que na vida real suicidou-se em
1987 com 43 anos de idade) demonstram muita interação.
Esse é mais um exemplo de uma época em que os grandes estúdios de Hollywood faziam filmes comerciais com temática adulta e sensibilidade. De rara beleza, trata-se de uma pequena obra-prima. Gordon é o alter ego da justiça ao realizar aquilo que aos olhos do expectador simbolizam a virtude e a compaixão. Já Selina é a representação daqueles que se encontram por várias razões excluídos socialmente. Do encontro de ambos nasce a redenção e a esperança.
Bem interessante!
ResponderExcluirGostaria de assistir...