http://www.imdb.com/title/tt0071598/
RESENHA:
HARRY, O AMIGO DE TONTO
FICHA TÉCNICA:
DIR: Paul Mazursky / EUA / 1974
Elenco: Art Carney, Ellen
Burstyn, Larry Hagman e Tonto.
Qual o papel do idoso na
sociedade contemporânea? Talvez seja esta a principal questão suscitada pelo
filme Harry and Tonto. Outros filmes
também tentaram responder este questionamento, por exemplo, Umberto D (Vittorio de Sica, 1952), e
mais recentemente Estamos Todos Bem (Giuseppe
Tornatore, 1990). Enquanto o primeiro nos apresenta uma velhice crua e que nos
choca pelo distanciamento da câmera semidocumental do neorrealista De Sica, o
segundo nos comove com um apelo sentimental de um pai em busca dos filhos. Já Harry and Tonto pode ser classificado
como estando no meio termo entre os dois, embora Tornatore provavelmente tenha
“bebido na fonte” do filme de 74, pois ambos são um road movie da terceira idade.
Interessante nos atentarmos
para o fato de que um filme com olhar para o
idoso tenha sido produzido pouco depois do auge da contracultura com o verão do
amor de 67, o movimento estudantil de 68, o Woodstook de 69 e o movimento
hippie, talvez prenunciando a derrocada dos sonhos utópicos seiscentistas ou, como
bem definiu Lennon, a constatação de que “o sonho acabou”.
Art Carney, vencedor do
Oscar de melhor ator por este filme, é um professor aposentado de literatura
com 70 anos de idade, fã de Shakespeare que o recita em momentos de tensão. Tem
como amigo inseparável um gato alaranjado a que
chama de Tonto, nome do personagem indígena que acompanha o Cavaleiro Solitário
em seriado televisivo (e recentemente em longa da Disney estrelado por Johnny
Depp). O gato é a sua razão de viver e motivo da peregrinação que Harry realiza
ao longo do filme. Além de Tonto, um amigo polonês judeu crítico do capitalismo
e sua casa são o que restam de suas “raízes”, além é claro, da família: filhos,
netos, nora.
Logo nas primeiras tomadas
vemos vários idosos andando pelas ruas de Nova York ou sentados conversando nas
praças. Ao contrário do que poderíamos supor, mesmo os que estão sentados não
sugerem passividade, algo que iremos constatar com o protagonista.
Ao
longo do filme, Harry vai perdendo literalmente suas referências, começando pela casa que foi demolida, na verdade todo o
conjunto residencial, para dar lugar a um estacionamento. Apesar de perdas
serem um clichê em filmes para idosos, a maneira como a câmera corta de uma
cena a outra e as reações de Harry denotam outro olhar: sua postura diante dos
problemas, ora paciente e às vezes aparentemente descompromissado, colocam como um personagem sábio. Mas
não aquela sabedoria sóbria, com uma visão estereotipada de que todo velho é
bom e tem ensinamentos a nos legar. Harry não busca dar “lição de moral” em
ninguém, o que ele quer é estar em paz, sem que para isso tenha que morrer.
Sua
família é como qualquer outra: o filho solteirão falido, imaturo emocionalmente
e que aparentemente não fez nada de significativo ao longo da vida, a filha que
passou por três casamentos e que só gosta do pai quando discute com ele, o mais
velho que quer que o pai more com ele, mas é casado e, como sempre acontece, sua esposa rejeita o sogro, o neto
estressado e o outro que faz uma terapia do silêncio comunicando-se apenas
através da escrita. Enfim, nenhuma novidade em se tratando de família.
Ao
iniciar um trajeto rodoviário com a carteira vencida há mais de quinze anos e,
ao se encontrar com um vendedor, uma prostituta, um religioso, um índio (este
encontro se dá na cadeia), uma adolescente menor de idade fugindo de casa e, o
próprio neto que o procura não só para dizer que acabou com o silêncio, mas
para acompanhá-lo, Harry não julga ninguém e coleciona inúmeras pequenas
aventuras que qualquer um poderia enfrentar, mas onde não há lugar para pessimismo
e tristeza, pelo menos não para ele. Esta talvez seja a grande “sacada”: ao contrário dos outros filmes
citados nesta resenha, em Hanry and Tonto
a vida nos é apresentada como deveria ser enfrentada: sem pessimismo e
tristezas, mas também sem um otimismo exagerado, principalmente com a
experiência de quem já enfrentou muita coisa. Assim fica fácil entender por que naturalmente os jovens se apegam com
Harry; afinal de contas, permitir que uma jovem menor de idade e fugindo de
casa e o neto viajem em seu carro para viver em uma comunidade de jovens não é
para qualquer um. Apenas alguém que se encontra em situação similar, apesar da
idade, poderia ter a consciência e o não receio em aceitar a premissa de que
para se cobrar responsabilidade é necessário que se conceda a liberdade.
Para Harry, tomar tais
decisões não era difícil, mesmo que para isso tenha orientado o neto da
seguinte forma: “Não se esqueça, prometa-me telefonar para sua mãe todos os
dias”.
Se
há uma mensagem ou uma reflexão para a pergunta do inicio deste texto, talvez seja um clichê: a vida, mesmo
na terceira idade, pode sempre ser um recomeço, seja através de uma nova
moradia, a possibilidade de um novo amor, novos amigos (pessoas ou animais) e
um novo trabalho. Harry que o diga e demonstre.
Na
cena final, caminhando pela praia, observa um garoto que está construindo um
enorme castelo de areia. Diante da intromissão do “velho” o garoto mostra a
língua. Harry não se zanga, sorri retribuindo a malcriação. Ele sabe muito bem
os significados da língua para fora e daquele castelo de areia.
Ao
contrário do pessimismo dos filmes com esta temática, este aqui pode e deve ser
indicado a todos aqueles que se consideram de terceira idade e também para
aqueles que irão chegar lá.
Você fez, da análise desses filmes, uma crônica sobre aquela idade em que todos acabamos sendo convidados - e até instigados - a ir "desocupando o espaço". É o momento das perdas, das derrotas, do caminho que será trilhado já com o sol declinando. Muito boa essa resenha, por mencionar todo esse contexto. Abraços, e que venham logo outras.
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