RESENHA: PAPILLON / 1973 / 151’
DIREÇÃO: Franklin J. Schaffner
ELENCO: Steve McQueen / Dustin Hoffman
Esta resenha é para meu grande amigo Márcio Leite.
O filme é baseado em obra homônima do francês Henry
Charrière, que esteve preso na cadeia de
segurança máxima chamada de a Ilha do Diabo no período de 1931 a 1944. Em 1968
“escreveu” o livro e faleceu em 1973, ano da
produção do filme. Esta é a versão oficial. Entretanto, o que poucos sabem é
que o verdadeiro Papillon chamava-se Renè Belbenoit e fugiu juntamente com
Charrière. Ao contrário deste,
era um homem instruído (falava quatro idiomas) e acabou por se radicar em
Roraima, no Brasil, onde faleceu em 1978, aos 73 anos. Foi este personagem que
teve seus manuscritos roubados por Charrière que, com a ajuda de um jornalista
francês, publicou a obra de grande sucesso como
de fato fosse ele o verdadeiro Pappilon (inclusive chegou a tatuar uma
borboleta em seu peito tal como o verdadeiro). Por fim, nenhum dos dois acabou
por se beneficiar do verdadeiro sucesso da obra; enquanto Belbenoit faleceu esquecido no Brasil, o
falsário Charrière faleceu cinco anos antes, pobre
e com sérios problemas com o alcoolismo.
Esta resenha não irá se preocupar com a celeuma entre os
personagens e tampouco com a obra literária. O foco aqui será exclusivamente a
produção cinematográfica.
Steve McQueen _ em espetacular atuação_ é o personagem
título, preso e encaminhado para a famosa Ilha do Diabo, prisão de segurança
máxima localizada na Guiana Francesa e local para onde eram encaminhados os
prisioneiros franceses, os degredados do país europeu. Sua acusação: a de ter
matado um gigolô, fato este negado pelo protagonista. Hoffman interpreta Louis
Degà, um falsário que enriqueceu aplicando vários golpes e que conta com a
segurança de Papillon para se manter vivo. É este personagem que financia os
recursos para a fuga de Papillon. Enquanto este último sonha com a fuga desde o
primeiro momento, o segundo acredita nos meios legais, a ajuda da esposa e do
advogado para obter sua saída da prisão.
A prisão
assemelhava-se a um campo de concentração. Na prática, o objetivo era o de
eliminar o maior número possível de prisioneiros, e não recuperá-los para o
convívio em sociedade. As punições eram extremas: primeira tentativa de fuga,
dois anos na solitária, segunda tentativa, cinco anos de solitária e mais o
dobro de tempo da pena imposta, para penas mais graves, a morte na guilhotina
(algo tão bem conhecido pelos franceses).
Depois de todos os anos cumpridos, o infeliz
poderia viver “livre” na ilha como colono (tinha uma pequena casa, com a
criação de porcos e uma horta), mas a tentativa de fuga era suicídio: a ilha
era cercada de tubarões e outros perigos. Alguns se tornavam “caçadores de
prisioneiros após terem passado por todas as etapas. De qualquer forma, a ida
para a ilha representava o fim do convívio social.
Os poucos habitantes que se tornavam colonos chegavam a
esta situação totalmente debilitados fisicamente, envelhecidos e quase que
insanos. Os demais não passavam dos primeiros anos: ou cometiam suicídio, ou
ficavam doentes, ou eram mortos nas tentativas de fuga (os guardas atiravam na
cabeça do prisioneiro). Enfim, não era por acaso que a ilha era chamada de Ilha
do Diabo.
Algumas cenas são emblemáticas. Os vários anos vividos
por Papillon comendo baratas e outros insetos na solitária, quando se recusa a fornecer
o nome de Degà como quem estava lhe encaminhando coco nas refeições; fugindo de
indígenas do Caribe, quando vemos em câmera lenta as expressões do rosto de
Papillon (cenas que lembram, e muito, outro clássico de Schaffner, O Planeta dos Macacos) e o sonho
emblemático do protagonista, em que, julgado por
um júri, o juiz lhe dá a sentença: é culpado não por ter matado um homem, mas
sim pelo maior crime que alguém pode cometer, que é o de ter desperdiçado sua
vida. Simplesmente sensacional!!!
Schafnner dá vida a Pappilon: ao humanizá-lo,
transforma-o em um verdadeiro herói. Alguém acima do bem e do mal. Não estamos
preocupados em saber se ele é um criminoso ou não, aliás, o sistema carcerário
produzido pelos “civilizados” franceses que nos legaram os ideais de liberdade
é tão hediondo que até mesmo o maior assassino poderia ser transformado em herói,
sendo submetido a tratamento tão desumano. O que a lente de Schafnner enfatiza
são os closes de um inconformismo sempre racional de McQueen; ele está sempre, mesmo nos piores momentos, centrado
naquilo que deseja. Para ele, a fuga
não é um sonho distante, mas sim uma realidade muito próxima, principalmente
quando percebe que pode contar com o apoio financeiro de Degà. Assim, uma
amizade que se inicia por interesses transforma-se em algo puro e cristalino.
Até mesmo como um fim em si mesma, razão para enfrentar a luta pela
sobrevivência cotidiana.
Outra cena tocante é o encontro de ambos após tantos anos
de solitária por parte de Pappilon. Degà chega a abraçá-lo e beijá-lo, algo
impensável naquele mundo com tanta crueza e onde
a expressão de qualquer sentimento parece tão desvinculada da realidade. Já ao
término do filme, Degà mescla sua racionalidade e medo contido com momentos da
mais pura insanidade. E é justamente nesta mescla entre seus atos e ações que
conseguimos identificar o contraponto em Papillon com toda sua grandeza ao
continuar mantendo ainda mais próxima de si sua
“loucura racional”: a de sempre acreditar na fuga e na liberdade. Neste
momento, o sentimento de dar a vida por uma causa, aproxima
Papillon de outros ícones tão bem representados no cinema: El Cid, Ben Hur, Spartacus...
Papillon também pode ser
lido como um libelo contra toda forma de repressão e autoritarismo e como um ser
humano pode e deve, por uma razão ética que está subjacente a todo individuo, lutar contra a opressão com todos os meios de que puder
dispor, por mais insignificantes que aparentemente eles possam se configurar.
Exemplos históricos recentes existem: Gandhi, Martin Luther King, Mandela.
Papillon, ao contrário destes, não tem uma causa social e política a defender,
mas o seu ideal é a premissa de tudo que se configura, é o alfa e o ômega, o
cerne de “no início era o verbo”: a luta pela própria vida e sua liberdade.
Um filme pesado, mas nunca lento e arrastado. Às vezes
claustrofóbico com sua fotografia escura que realça ainda mais os sofrimentos e
a angustia dos personagens. Que merece ser visto e revisto. Conhecido pelas
novas gerações que assistem a uma Hollywood
comercial, voltada apenas para explosões e cérebros vazios. Aqui temos um
clássico de quando o cinema era cinema em sua plenitude.
Vi o filme, realmente espetacular. Li o livro, que merece o mesmo adjetivo. Que bom você estar revisitando os clássicos. Seria interessante manter a proporção entre eles e os lançamentos. E talvez alertar também, no caso dos lançamentos, para filmes que tenham mais fama do que conteúdo. Para não viajarmos em barcas furadas.
ResponderExcluirBoa Sugestão. Preciso escrever mais sobre filmes recentes. Outro dia um amigo me disse que gosta do que escrevo, mas o problema é que ele não consegue achar os filmes que eu indico, rs. Grato pelo comentário!
ResponderExcluirEXCELENTE FILME, PODEM ASSISTIR QUE VALE A PENA, STEVE MACQUEEN, DUSTIN HOFFMAN E O DIRETOR FRANKLIN SCHAFFNER, DEVERIAM GANHAR O OSCAR DESTE ANO COM CERTEZA. JUNTAMENTE COM O EXPRESSO DA MEIA NOITE, TUBARÃO, O ILUMINADO E O EXORCISTA, SÃO ALGUNS DOS MELHORES FILMES JA PRODUZIDOS.
ResponderExcluir... e Bird, Asas da Liberdade.
ResponderExcluirBelo filme. Boa lembrança. Pena que Alan Parker deixou de dirigir.
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