quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

PAPILLON

                          http://www.imdb.com/media/rm2493426688/tt0070511?ref_=tt_ov_i

RESENHA: PAPILLON / 1973 / 151’
DIREÇÃO: Franklin J. Schaffner
ELENCO: Steve McQueen / Dustin Hoffman
                                              
                                                                    Esta resenha é para meu grande amigo Márcio Leite.
            
            O filme é baseado em obra homônima do francês Henry Charrière, que esteve preso na cadeia de segurança máxima chamada de a Ilha do Diabo no período de 1931 a 1944. Em 1968 “escreveu” o livro e faleceu em 1973, ano da produção do filme. Esta é a versão oficial. Entretanto, o que poucos sabem é que o verdadeiro Papillon chamava-se Renè Belbenoit e fugiu juntamente com Charrière. Ao contrário deste, era um homem instruído (falava quatro idiomas) e acabou por se radicar em Roraima, no Brasil, onde faleceu em 1978, aos 73 anos. Foi este personagem que teve seus manuscritos roubados por Charrière que, com a ajuda de um jornalista francês, publicou a obra de grande sucesso como de fato fosse ele o verdadeiro Pappilon (inclusive chegou a tatuar uma borboleta em seu peito tal como o verdadeiro). Por fim, nenhum dos dois acabou por se beneficiar do verdadeiro sucesso da obra; enquanto  Belbenoit faleceu esquecido no Brasil, o falsário Charrière faleceu cinco anos antes, pobre e com sérios problemas com o alcoolismo.
            Esta resenha não irá se preocupar com a celeuma entre os personagens e tampouco com a obra literária. O foco aqui será exclusivamente a produção cinematográfica.
            Steve McQueen _ em espetacular atuação_ é o personagem título, preso e encaminhado para a famosa Ilha do Diabo, prisão de segurança máxima localizada na Guiana Francesa e local para onde eram encaminhados os prisioneiros franceses, os degredados do país europeu. Sua acusação: a de ter matado um gigolô, fato este negado pelo protagonista. Hoffman interpreta Louis Degà, um falsário que enriqueceu aplicando vários golpes e que conta com a segurança de Papillon para se manter vivo. É este personagem que financia os recursos para a fuga de Papillon. Enquanto este último sonha com a fuga desde o primeiro momento, o segundo acredita nos meios legais, a ajuda da esposa e do advogado para obter sua saída da prisão.
             A prisão assemelhava-se a um campo de concentração. Na prática, o objetivo era o de eliminar o maior número possível de prisioneiros, e não recuperá-los para o convívio em sociedade. As punições eram extremas: primeira tentativa de fuga, dois anos na solitária, segunda tentativa, cinco anos de solitária e mais o dobro de tempo da pena imposta, para penas mais graves, a morte na guilhotina (algo tão bem conhecido pelos franceses). Depois de todos os anos cumpridos, o infeliz poderia viver “livre” na ilha como colono (tinha uma pequena casa, com a criação de porcos e uma horta), mas a tentativa de fuga era suicídio: a ilha era cercada de tubarões e outros perigos. Alguns se tornavam “caçadores de prisioneiros após terem passado por todas as etapas. De qualquer forma, a ida para a ilha representava o fim do convívio social.
            Os poucos habitantes que se tornavam colonos chegavam a esta situação totalmente debilitados fisicamente, envelhecidos e quase que insanos. Os demais não passavam dos primeiros anos: ou cometiam suicídio, ou ficavam doentes, ou eram mortos nas tentativas de fuga (os guardas atiravam na cabeça do prisioneiro). Enfim, não era por acaso que a ilha era chamada de Ilha do Diabo.
            Algumas cenas são emblemáticas. Os vários anos vividos por Papillon comendo baratas e outros insetos na solitária, quando se recusa a fornecer o nome de Degà como quem estava lhe encaminhando coco nas refeições; fugindo de indígenas do Caribe, quando vemos em câmera lenta as expressões do rosto de Papillon (cenas que lembram, e muito, outro clássico de Schaffner, O Planeta dos Macacos) e o sonho emblemático do protagonista, em que, julgado por um júri, o juiz lhe dá a sentença: é culpado não por ter matado um homem, mas sim pelo maior crime que alguém pode cometer, que é o de ter desperdiçado sua vida. Simplesmente sensacional!!!
            Schafnner dá vida a Pappilon: ao humanizá-lo, transforma-o em um verdadeiro herói. Alguém acima do bem e do mal. Não estamos preocupados em saber se ele é um criminoso ou não, aliás, o sistema carcerário produzido pelos “civilizados” franceses que nos legaram os ideais de liberdade é tão hediondo que até mesmo o maior assassino poderia ser transformado em herói, sendo submetido a tratamento tão desumano. O que a lente de Schafnner enfatiza são os closes de um inconformismo sempre racional de McQueen; ele está sempre, mesmo nos piores momentos, centrado naquilo que deseja. Para ele, a fuga não é um sonho distante, mas sim uma realidade muito próxima, principalmente quando percebe que pode contar com o apoio financeiro de Degà. Assim, uma amizade que se inicia por interesses transforma-se em algo puro e cristalino. Até mesmo como um fim em si mesma, razão para enfrentar a luta pela sobrevivência cotidiana.
            Outra cena tocante é o encontro de ambos após tantos anos de solitária por parte de Pappilon. Degà chega a abraçá-lo e beijá-lo, algo impensável naquele mundo com tanta crueza e onde a expressão de qualquer sentimento parece tão desvinculada da realidade. Já ao término do filme, Degà mescla sua racionalidade e medo contido com momentos da mais pura insanidade. E é justamente nesta mescla entre seus atos e ações que conseguimos identificar o contraponto em Papillon com toda sua grandeza ao continuar mantendo ainda mais próxima de si sua “loucura racional”: a de sempre acreditar na fuga e na liberdade. Neste momento, o sentimento de dar a vida por uma causa, aproxima Papillon de outros ícones tão bem representados no cinema: El Cid, Ben Hur, Spartacus...
            Papillon também pode ser lido como um libelo contra toda forma de repressão e autoritarismo e como um ser humano pode e deve, por uma razão ética que está subjacente a todo individuo, lutar contra a opressão com todos os meios de que puder dispor, por mais insignificantes que aparentemente eles possam se configurar. Exemplos históricos recentes existem: Gandhi, Martin Luther King, Mandela. Papillon, ao contrário destes, não tem uma causa social e política a defender, mas o seu ideal é a premissa de tudo que se configura, é o alfa e o ômega, o cerne de “no início era o verbo”: a luta pela própria vida e sua liberdade.
            Um filme pesado, mas nunca lento e arrastado. Às vezes claustrofóbico com sua fotografia escura que realça ainda mais os sofrimentos e a angustia dos personagens. Que merece ser visto e revisto. Conhecido pelas novas gerações que assistem a uma Hollywood comercial, voltada apenas para explosões e cérebros vazios. Aqui temos um clássico de quando o cinema era cinema em sua plenitude.

5 comentários:

  1. Vi o filme, realmente espetacular. Li o livro, que merece o mesmo adjetivo. Que bom você estar revisitando os clássicos. Seria interessante manter a proporção entre eles e os lançamentos. E talvez alertar também, no caso dos lançamentos, para filmes que tenham mais fama do que conteúdo. Para não viajarmos em barcas furadas.

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  2. Boa Sugestão. Preciso escrever mais sobre filmes recentes. Outro dia um amigo me disse que gosta do que escrevo, mas o problema é que ele não consegue achar os filmes que eu indico, rs. Grato pelo comentário!

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  3. EXCELENTE FILME, PODEM ASSISTIR QUE VALE A PENA, STEVE MACQUEEN, DUSTIN HOFFMAN E O DIRETOR FRANKLIN SCHAFFNER, DEVERIAM GANHAR O OSCAR DESTE ANO COM CERTEZA. JUNTAMENTE COM O EXPRESSO DA MEIA NOITE, TUBARÃO, O ILUMINADO E O EXORCISTA, SÃO ALGUNS DOS MELHORES FILMES JA PRODUZIDOS.

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  4. Respostas
    1. Belo filme. Boa lembrança. Pena que Alan Parker deixou de dirigir.

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