A FELICIDADE NÃO SE COMPRA
Produção: EUA / 1946
Direção: Frank Capra
Elenco: James Stewart / Donna Reed
Duração: 129 min.
Sinopse: Em Bedford Falls , no Natal, George Bailey (James Stewart),
que sempre ajudou a todos, pensa em se suicidar saltando de uma ponte, em razão
das maquinações de Henry Potter (Lionel Barrymore), o homem mais rico da
região. Mas tantas pessoas oram por ele que Clarence (Henry Travers), um anjo
que espera há 220 anos para ganhar asas, é mandado à Terra, para tentar fazer
George mudar de idéia, demonstrando sua importância através de flashbacks.
Quando Frank Capra morreu, em 1991, os
jornais estampavam na primeira página a morte do célebre diretor com mais de 90
anos de idade. Comecei a assistir aos seus filmes durante a minha adolescência.
Todos muito marcantes: Aconteceu Naquela Noite,
O Galante Mr. Deeds, Do Mundo Nada Se Leva, A Mulher Faz o Homem, Adorável Vagabundo.
O sujeito era brilhante, conseguiu como poucos captar a essência do
pensamento conservador americano, só que o dosou com tamanha sensibilidade que
o sentimento patriótico dos americanos, algo enfadonho e ideologicamente
perigoso, nas mãos de Capra passou a ser um sentimento universal, isto porque antes
de ser norte-americano, o sujeito tinha que ser bom, integro e solidário acima
de tudo.
Seus filmes nos mostram valores que
são caros e porque não dizer raros em sociedades competitivas e consumistas em
seu cerne.
Interessante observar que ele veio
criança para os EUA, de Palermo, sul da Itália, ou seja, de uma origem cultural
bastante diversa do mundo anglo-saxão. Iniciou sua carreira durante os anos de
Depressão, viveu o pior lado do capitalismo e talvez tenha conseguido com seus
filmes dar um caráter humanista a um sistema baseado na desigualdade. Sentindo
o que a competitividade sem limites e escrúpulos gerava à sociedade civil, seus
filmes nos levam a um mundo que caminha muito próximo das obras literárias de John
Steinbeck, autor de As vinhas da ira e
Ratos e Homens, só que bem menos
amargo. Com certeza o público gostaria no cinema de se identificar com os seus
problemas sociais, mas queria acima de tudo fantasia e “vilões” arrependidos. O
homem comum é o herói capraniano, e atores como James Stewart e Gary Cooper
encarnaram como nenhum outro este homem comum. Uma pena que as novas gerações
desconheçam esta fase do cinema norte-americano, onde os grandes estúdios
lucravam como nunca, mas se submetiam ao talento dos grandes diretores que eram
verdadeiros artesãos na arte de contar uma história.
Em um mundo de reality shows onde o
que importa é esmagar o outro com um sorriso e abraço falso de lealdade, vale a
pena rever estes filmes. Capra já identificava nos políticos, empresários e na
imprensa (mídia) as causas de todos os males sociais. Seus personagens formam
uma rede, onde empresários inescrupulosos se unem a políticos corruptos e
juntos monopolizam os meios de comunicação de massa na defesa de seus
interesses. Atual? Com certeza muito, mas dizer que a mídia “manipula” e que
existem empresários que utilizam meios ilícitos para enriquecer, não é muito
adequado em nossa sociedade que transmite ideias de consenso, assim podemos
dizer que atualmente os chamados políticos ficaram sozinhos como “vilões”. Mas
em Capra, eles estão todos juntos, agindo em uníssono.
Este filme talvez seja o mais
intimista e introspectivo de Capra. Ele foi lançado em 1946, no pós-guerra e
curiosamente não fez muito sucesso, somente anos depois com a TV ele foi se
consolidando como um clássico, aquele filme que é exibido para os americanos em
todo dia de ação de Graças, talvez o feriado mais importante para eles,
juntamente com o 4 de julho. É interessante observarmos que em filmes bem mais
recentes, este filme aparece como sendo assistido por algum personagem, ou
seja, a cena de “um filme dentro do outro”.
A história é um “conto de fadas
moderno”: um sujeito família, o famoso “boa praça”, se mete em confusão no
mundo dos negócios e começa a ver toda sua vida desmoronando, torna-se um
falido e não vê mais propósitos em viver, então decide cometer suicídio. Neste
momento chega uma mensagem aos céus e um aspirante a anjo da guarda, _ que
precisa de uma boa ação para ganhar suas asas _ recebe a missão de descer até a
Terra para convencer nosso protagonista a não se matar. O genial é a tática
utilizada pelo anjo, na verdade representado por um senhor bonachão e
aparentemente “desligado” da realidade, mostrar a James Stewart como seria a
vida daquele lugar e das pessoas que ele ama sem a presença dele. E neste
momento é impossível não se emocionar e, ao mesmo tempo, deixar de se
identificar com as dores e sofrimentos de quem está próximo da morte por se
sentir incapaz de mudar e dar um sentido à própria vida. George Bailey (James
Stewart) entra em um mundo Kafkaniano, de pesadelos, onde sua consciência
física (“penso, logo existo”) é invertida, pois ele pensa, mas não existe mais,
ou melhor, nunca existiu; assim sua esposa é uma mulher solitária e infeliz, a
cidade foi corrompida, pois seus projetos humanitários nunca foram colocados em
prática, seu irmão morreu criança, pois não foi salvo por ele, os “malvados”
capitalistas transformaram o bucólico local onde ele sempre morou em um grande
prostíbulo e assim por diante. Estas cenas são avassaladoras, quando as vi e
sempre que as revejo, fico imaginando o ideal renascentista do “Homem no centro
do Universo”. Como não deixar de pensar em nossas vidas, em nossos fracassos,
sonhos e idealizações, em tudo aquilo que gostaríamos de ser e fomos incapazes de
concretizar, e ao mesmo tempo, como não pensarmos em nossa importância? Mas o
que mais impressiona é que apenas um individuo, com seus atos isolados e do
cotidiano, é capaz de mudar não apenas a sua história, mas sim a história de
muitas pessoas. Quantas vezes um olhar, um abraço, uma fala e acima de tudo uma
atitude mudaram e selaram para sempre não apenas o nosso destino, mas o destino
de outras pessoas? Apenas esta reflexão já é o suficiente para colocar A Felicidade Não Se Compra como um ícone
do cinema.
Também muito belo é o sentimento
cristão que permeia todo o filme. Nosso protagonista é um idealista, um sujeito
que passa toda a sua vida pensando no próximo: nos pais, nos irmãos, nos
amigos, na esposa e nos filhos. De repente nada daquilo valeu e tal como Cristo
que se dedicou ao próximo e foi injustiçado, ele aceita dar a própria vida.
Mas, ao contrário do Cristo, o anjo vem lhe dizer e mostrar que sua morte nada
representaria, mas sim a sua vida. O bacana do filme é justamente este
tratamento de choque utilizado pelo anjo, levar o sujeito a se valorizar,
levantar sua autoestima e nisto, este filme nos leva ao sublime.
Nosso protagonista amou ao próximo o
filme inteiro, mas deixou de se amar. Quando tal sentimento é resgatado, não é
apenas George Bailey que se torna livre, mas sim todos que acompanharam sua
trajetória. Capra nos mostrou com extrema sensibilidade e simplicidade que a
felicidade está muito próxima de todos nós.
Muito bem colocada as expressões do ser humano
ResponderExcluirGrato pela leitura
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