domingo, 2 de setembro de 2012

VERÃO DE 42


VERÃO DE 42
 
 
 
 
 

 

SUMMER OF’ 42 / HOUVE UMA VEZ UM VERÃO / VERÃO DE 42

Produção: EUA / 1971

Direção: Robert Mulligan

Elenco: Gary Grimes / Jennifer O’Neill

Duração: 104 min.

 

Sinopse: Aos quinze anos de idade, Hermie (Gary Grimes) vai passar as férias na praia. Durante esta viagem, ele procura respostas para suas dúvidas sobre a vida, a guerra, o amor e o sexo. Com a cabeça repleta de interrogações e sonhos, Hermie conhece uma mulher mais velha (Jennifer O'Neill) e fica apaixonado. Começa assim, uma intensa relação onde Hermie busca aprofundar seu conhecimento sobre o mundo. E ela, por sua vez, busca no jovem adolescente, o amor ausente de seu marido que partiu para a Guerra.

 
              Fui um garoto de sorte. Assisti a este filme pela primeira vez quando tinha a mesma idade que o protagonista: quinze anos. Inevitável a ligação que nos uniu, pois apesar da história se passar em um tempo e espaço muito distante, trata de uma temática universal. Talvez seja a melhor obra cinematográfica a respeito da iniciação sexual de um jovem, bem como a dificuldade em se entrar na chamada vida adulta. Como fazer com que um tema tão realista, seja “leve”, agradável de ver e ao mesmo tempo não seja didático? A receita para Robert Mulligan é a de nos inundar de sensibilidade. Raramente vi nas telas uma dosagem tão equilibrada de simplicidade e sensibilidade para tratar de temas difíceis: como este da juventude ou do racismo como em O sol é para todos. Assim como não deve ser fácil levar as pessoas ao riso, não deve ser fácil também saber emocionar sem ser piegas, e isto Mulligan soube fazer como ninguém: Tratar de amor e sexualidade sem ser apelativo, vulgar ou moralista.
            É com tristeza que observo na grade dos canais televisivos que filmes que nos anos 80 eram exibidos em horário nobre, hoje são simplesmente ignorados pelos canais abertos e até fechados. Por volta de 1983/84, aos domingos a TV Globo exibia filmes com legendas, se não me engano chamava-se Cine Clube ou algo parecido, eram filmes não tão comerciais, pequenos clássicos, principalmente dramas, alguns inclusive, nem foram lançados em vídeo. Foi em uma dessas exibições que vi Verão de 42; é trágico ser saudosista, mas a comparação com o nível dos filmes que são exibidos hoje, no mesmo canal, mesmo horário e dia, é inegável a constatação que nosso país irá perpetuar ainda mais sua ignorância. Antes tínhamos Mulligan, Coppola, Stevenson e hoje temos Stallone e outros “clássicos” da pancadaria.
            O filme de Mulligan nos fala de algo que realmente vale a pena pensar, imaginar, sonhar e colocar em prática: o amor. Mas, não apenas de homem (garoto) e mulher, o filme transcende tal sentimento, pois após fazer amor com Hermie (e neste caso o termo correto é realmente “fazer amor”), Dorothy deixa uma carta onde diz que um dia nosso protagonista irá entender o que se passou e, quando a história é narrada por ele já adulto, constatamos que naquele verão de 42, um Hermie havia deixado de existir. E é justamente este o sentimento que temos ao ver este filme, o de perceber que o amor que surge tão inesperadamente e que pode ser tão fugaz, tem a capacidade de nos transformar de uma maneira tão radical que podemos inclusive afirmar que “deixamos de existir”. Como disse Herman Hesse, é necessário destruir um mundo para que um novo possa renascer. Assim, assistimos à morte da infância e ao nascimento do mundo adulto, só que com toda a crueza e dor que tal mundo representa, no caso do filme, simbolizado pela morte do marido de Dorothy na II Grande Guerra.

            Lembro-me que no dia seguinte à sua exibição na TV, o assunto na escola era Verão de 42. Afinal de contas, como ignorar a cena da farmácia em uma época em que a AIDS mostrava a que veio e a mídia e a escola reforçava o pânico, exigindo a necessidade de prevenção, e os outros temas, então?              Mas, vamos aos personagens: Hermie é só confusão, não consegue distinguir amor, sexo e paixão. Seu outro amigo é o mais espertinho, pensa apenas em sua primeira relação amorosa e conta com as informações de seu irmão mais velho que até o presenteou com uma camisinha, e o outro garoto é mero figurante, está totalmente alheio a tudo que se passa ao redor, fugindo de tudo, inclusive do cinema em companhia de uma garota. Os três garotos representam a posição de praticamente todos os jovens: o mais “saidinho” e desinibido, o tímido, mas que usa sua introspecção para agir e o alienado, que quer simplesmente fugir. Mas, de um modo geral, o que prevalece é a brutal ignorância não só de informações e conhecimentos, mas principalmente quanto a sentimentos, que são muito difíceis de serem ”controlados” e administrados em qualquer fase da vida, mas nesta época em particular são ainda mais difíceis. Em vários momentos eles buscam apoio em um livro que utilizam como bíblia e receita para toda a ignorância. O protagonista, Hermie, por exemplo, desconhecia que preservativo era para ser usado apenas uma vez e pede ao amigo que “empreste” sua camisinha. Em outra cena hilária, ambos levam para um encontro amoroso _ que se torna a primeira transa do amigo de Hermie_ uma cópia com as etapas que tinham que passar até efetuarem a relação sexual. Diálogo:

            “Em que fase está?”

            “Na seis.”

            “Mas já é preliminar?” (demonstrando grande surpresa)

            “Só que ela já está na nove.”

            Na cena que antecede este encontro, quando ambos estão estudando o livro, outro divertidíssimo e ao mesmo tempo, reflexivo diálogo entre ambos:

            “Siga o que dizem aqui e se dará bem.”

            “Não quero só dormir com ela, eu a respeito.”

            “Tudo bem respeitá-la, mas ela não o respeitará se não tentar transar. É verdade, meu irmão me disse. Elas são assim, querem que tente, mesmo se depois não deixam. Pois mesmo não deixando, elas querem que tente.”

            Simplesmente brilhante. Hermie faz a tradicional confusão machista entre amor e sexo. Ou seja, a mulher que amamos e nos apaixonamos não é necessariamente aquela que iremos levar para a cama. Com o tempo, esta concepção foi se alterando e muito, para o bem de uma vida sexual mais saudável.·.

A respeito da ignorância dos personagens sobre a sexualidade, interessante observarmos que os pais não são apresentados no filme, o máximo é ouvirmos a voz da mãe de Hermie em duas ocasiões. O recado está dado: os pais estão em um mundo à parte, um mundo distante daquele que se desenrola na vida de seus filhos. Hoje, em que pese o excesso de informação, o jovem ainda não assimilou tais informações, ou seja, eles não as retêm, não as transformam em conhecimento. Talvez porque são informações desvinculadas de afeto. Pode ser que mesmo depois de tanto tempo, ainda estejamos em vários aspectos próximos daqueles jovens do verão de 42.

            Voltando para a cena da primeira transa do amigo de Hermie, temos mais uma vez a delicadeza, pois quando Hermie e sua “namoradinha” se aproximam e observam os amigos transando nada nos é mostrado, a não ser a fisionomia transtornada de ambos diante de algo que desconheciam por completo, nenhum barulho ouvimos, muito menos gemidos, esta é a diferença de um filme de Mulligan para outro cineasta que poderia vulgarizar a cena, com sons ou cenas de nudez, que são totalmente desnecessárias, o maior impacto está justamente na reação de quem está vendo o que está acontecendo, e é justamente este impacto que o diretor quer nos mostrar.

            A fotografia do filme estimula o clima de romantismo: as várias cenas da praia, a casa de madeira de Dorothy no penhasco, o som do mar na cena mais importante... A iluminação é clara, suave, instigando certo ar de inocência. Nas primeiras cenas, a musa de nosso protagonista nos é apresentada como uma “coroa” que aparenta de vinte e dois a vinte e cinco anos de idade, para os garotos realmente uma “coroa”. A princípio Dorothy nos é mostrada à distância, como que em sonho, em câmera lenta. Ela é focalizada de longe, conforme aumenta o sentimento de Hermie bem como a possibilidade de aproximação entre ambos é que ela deixa de ser aquele algo tão distante e o plano de Mulligan nos aproxima de seu rosto. Podemos perceber então que a razão da paixão não é infundada, ela é muito bonita, mas não utiliza a beleza para demonstrar soberba, mas sim para transmitir simpatia com seu lindo sorriso. O marido que vai para a guerra não é focalizado, ele é visto apenas de perfil ou de costas, não há close de seu rosto, é um personagem que não interessa a Hermie e, portanto também deve ser ignorado por nós, uma vez que a câmera nos mostra apenas aquilo que é visto pelo nosso protagonista. Quando Dorothy despede-se do marido temos então o início do Verão de 42.

            Dorothy vê com simpatia a aproximação do garoto, ela está só. Percebemos desde o início que é recém-casada, habitando na ilha há pouco tempo. Hermie torna-se seu ajudante, auxiliar de pequenos afazeres domésticos que tenta a todo custo demonstrar mais idade afastando-se dos amigos e passando a se vestir de maneira mais cuidadosa. Ele a admira, a respeita e se satisfaz em estar próximo. Sua paixão é tão idealizada que sua sexualidade é sufocada diante dela. Entretanto na cena muito engraçada da escada ele treme de corpo e alma observando de perto detalhes do corpo feminino fruto de sua paixão. Tudo está lá diante de um palmo dos seus olhos: as pernas perfeitas, as nádegas em um shorts diminuto... Dorothy não faz a menor força em ser sensual, não tem interesse em seduzi-lo ou provocá-lo, daí nasce o encanto da cena, trata-se de um momento natural, espontâneo, tanto para Hermie como para Dorothy.

            Já a cena de sexo entre eles é uma das mais belas expressões de amor captadas através de uma câmera:

            Dorothy acabou de receber o telegrama anunciando a morte do marido quando chega Hermie, que lê a notícia, mas demora a encontrá-la. Ela aparece e nada diz, não é mais a exuberância da beleza, mas é isto sim o retrato da dor em seus mais íntimos e delicados detalhes. Hermie sabe disso, percebe isto, mas não consegue dizer nada a não ser acompanhar os movimentos de sua musa. Ela vai até a vitrola e coloca o disco com a trilha do filme, a maravilhosa música de Michael Legrand. Aproxima-se dele, e encosta a cabeça em seus ombros, ele a abraça timidamente, cada gesto é simples, contido, não há exageros nem precipitação. A sensualidade está no close de seus pés que estão descalços, eles começam a dançar lentamente até o término da música. A câmera começa a dar close no rosto de Hermie que está chorando, as lágrimas escorrem pelo seu rosto e neste momento temos o nascimento de um homem. Não foi a relação sexual que se aproximava que representou o rito de iniciação para a vida adulta, mas sim o seu choro, sua capacidade em captar e interagir com a dor alheia.

            A música termina, ela pega em sua mão e o leva para o quarto, não há diálogo, as palavras são inúteis. Hermie é guiado por ela, ele simplesmente a acompanha, se deixa levar por algo muito mais forte que ele, algo que ele não tinha idéia que existisse. Eles se beijam, ela se vira para ele e começa a tirar sua roupa, se despe não para um amante, mas para si mesma. Procura a ternura de um abraço, um toque que faça com que ela se sinta viva. Ela busca naquele momento amar para poder demonstrar para si própria que não está morta. Não ouvimos gemidos, não há imagens de sexo, vemos os objetos do quarto como o abajur e principalmente, ouvimos o som do mar, todo o simbolismo das ondas que vão e vem, assim como a vida daqueles dois personagens que nunca mais seria a mesma depois daquele momento. O amor entre eles é repleto de carinho, de demonstrações de afeto, mas não é capaz de trazer a alegria perdida para Dorothy, muito menos a conquista da mulher amada para Hermie, é apenas e tão somente a possibilidade de mantê-los vivos diante da incompreensão da vida.

            Dorothy se levanta e sai do quarto, pouco depois Hermie faz o mesmo, a câmera está fora da casa da madeira. Agora somos nós que vemos Hermie através da câmera de Mulligan, o acompanhamos atravessar todo o interior da casa e sair na sacada onde observa Dorothy de costas para ele. É apenas neste momento que ela diz algo: “Boa noite”. Sabemos que eles não se tornariam a ver o que é constatado nas cenas seguintes com a carta que ela deixa para Hermie, onde diz que um dia ele irá entender o que aconteceu naquela noite e que ela iria rezar muito para que ele fosse uma pessoa livre de tristezas.

            Em um show realizado em 1970, Sérgio Endrigo disse que era criticado porque suas músicas de amor eram tristes. Ele respondeu dizendo que “o amor se canta quando se está com um grande problema para se resolver, quando há desilusão, quando se está feliz no amor se é feliz e basta não que o amor seja uma coisa estúpida, mas...”.

 Em Verão de 42, tive a mesma sensação. Por que o que fica mais forte em nossa memória são os momentos de tristeza?

            É justamente isto que os românticos ainda não souberam responder.

           

           

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