VERÃO DE 42
Produção: EUA / 1971
Direção: Robert Mulligan
Elenco: Gary Grimes / Jennifer O’Neill
Duração: 104 min.
Sinopse: Aos quinze anos de idade, Hermie (Gary
Grimes) vai passar as férias na praia. Durante esta viagem, ele procura
respostas para suas dúvidas sobre a vida, a guerra, o amor e o sexo. Com a
cabeça repleta de interrogações e sonhos, Hermie conhece uma mulher mais velha
(Jennifer O'Neill) e fica apaixonado. Começa assim, uma intensa relação onde
Hermie busca aprofundar seu conhecimento sobre o mundo. E ela, por sua vez,
busca no jovem adolescente, o amor ausente de seu marido que partiu para a
Guerra.
Fui um garoto de sorte. Assisti a este
filme pela primeira vez quando tinha a mesma idade que o protagonista: quinze
anos. Inevitável a ligação que nos uniu, pois apesar da história se passar em
um tempo e espaço muito distante, trata de uma temática universal. Talvez seja
a melhor obra cinematográfica a respeito da iniciação sexual de um jovem, bem
como a dificuldade em se entrar na chamada vida adulta. Como fazer com que um
tema tão realista, seja “leve”, agradável de ver e ao mesmo tempo não seja
didático? A receita para Robert Mulligan é a de nos inundar de sensibilidade.
Raramente vi nas telas uma dosagem tão equilibrada de simplicidade e
sensibilidade para tratar de temas difíceis: como este da juventude ou do
racismo como em O sol é para todos.
Assim como não deve ser fácil levar as pessoas ao riso, não deve ser fácil
também saber emocionar sem ser piegas, e isto Mulligan soube fazer como ninguém:
Tratar de amor e sexualidade sem ser apelativo, vulgar ou moralista.
É com tristeza que observo na grade
dos canais televisivos que filmes que nos anos 80 eram exibidos em horário
nobre, hoje são simplesmente ignorados pelos canais abertos e até fechados. Por
volta de 1983/84, aos domingos a TV Globo exibia filmes com legendas, se não me
engano chamava-se Cine Clube ou algo
parecido, eram filmes não tão comerciais, pequenos clássicos, principalmente
dramas, alguns inclusive, nem foram lançados em vídeo. Foi em uma
dessas exibições que vi Verão de 42; é
trágico ser saudosista, mas a comparação com o nível dos filmes que são
exibidos hoje, no mesmo canal, mesmo horário e dia, é inegável a constatação
que nosso país irá perpetuar ainda mais sua ignorância. Antes tínhamos
Mulligan, Coppola, Stevenson e hoje temos Stallone e outros “clássicos” da
pancadaria.
O filme de Mulligan nos fala de algo
que realmente vale a pena pensar, imaginar, sonhar e colocar em prática: o
amor. Mas, não apenas de homem (garoto) e mulher, o filme transcende tal
sentimento, pois após fazer amor com Hermie (e neste caso o termo correto é
realmente “fazer amor”), Dorothy deixa uma carta onde diz que um dia nosso
protagonista irá entender o que se passou e, quando a história é narrada por ele
já adulto, constatamos que naquele verão de 42, um Hermie havia deixado de
existir. E é justamente este o sentimento que temos ao ver este filme, o de
perceber que o amor que surge tão inesperadamente e que pode ser tão fugaz, tem
a capacidade de nos transformar de uma maneira tão radical que podemos
inclusive afirmar que “deixamos de existir”. Como disse Herman Hesse, é
necessário destruir um mundo para que um novo possa renascer. Assim, assistimos
à morte da infância e ao nascimento do mundo adulto, só que com toda a crueza e
dor que tal mundo representa, no caso do filme, simbolizado pela morte do
marido de Dorothy na II Grande Guerra.
Lembro-me que no dia seguinte à sua
exibição na TV, o assunto na escola era Verão
de 42. Afinal de contas, como ignorar a cena da farmácia em uma época em
que a AIDS mostrava a que veio e a mídia e a escola reforçava o pânico,
exigindo a necessidade de prevenção, e os outros temas, então? Mas,
vamos aos personagens: Hermie é só confusão, não consegue distinguir amor, sexo
e paixão. Seu outro amigo é o mais espertinho, pensa apenas em sua primeira relação
amorosa e conta com as informações de seu irmão mais velho que até o presenteou
com uma camisinha, e o outro garoto é mero figurante, está totalmente alheio a
tudo que se passa ao redor, fugindo de tudo, inclusive do cinema em companhia
de uma garota. Os três garotos representam a posição de praticamente todos os
jovens: o mais “saidinho” e desinibido, o tímido, mas que usa sua introspecção
para agir e o alienado, que quer simplesmente fugir. Mas, de um modo geral, o
que prevalece é a brutal ignorância não só de informações e conhecimentos, mas
principalmente quanto a sentimentos, que são muito difíceis de serem
”controlados” e administrados em qualquer fase da vida, mas nesta época em
particular são ainda mais difíceis. Em vários momentos eles buscam apoio em um
livro que utilizam como bíblia e receita para toda a ignorância. O
protagonista, Hermie, por exemplo, desconhecia que preservativo era para ser
usado apenas uma vez e pede ao amigo que “empreste” sua camisinha. Em outra
cena hilária, ambos levam para um encontro amoroso _ que se torna a primeira
transa do amigo de Hermie_ uma cópia com as etapas que tinham que passar até
efetuarem a relação sexual. Diálogo:
“Em que fase está?”
“Na seis.”
“Mas já é preliminar?” (demonstrando
grande surpresa)
“Só que ela já está na nove.”
Na cena que antecede este encontro,
quando ambos estão estudando o livro, outro divertidíssimo e ao mesmo tempo,
reflexivo diálogo entre ambos:
“Siga o que dizem aqui e se dará
bem.”
“Não quero só dormir com ela, eu a
respeito.”
“Tudo bem respeitá-la, mas ela não o
respeitará se não tentar transar. É verdade, meu irmão me disse. Elas são
assim, querem que tente, mesmo se depois não deixam. Pois mesmo não deixando,
elas querem que tente.”
Simplesmente brilhante. Hermie faz a
tradicional confusão machista entre amor e sexo. Ou seja, a mulher que amamos e
nos apaixonamos não é necessariamente aquela que iremos levar para a cama. Com
o tempo, esta concepção foi se alterando e muito, para o bem de uma vida sexual
mais saudável.·.
A respeito da ignorância dos personagens
sobre a sexualidade, interessante observarmos que os pais não são apresentados
no filme, o máximo é ouvirmos a voz da mãe de Hermie em duas ocasiões. O recado
está dado: os pais estão em um mundo à parte, um mundo distante daquele que se
desenrola na vida de seus filhos. Hoje, em que pese o excesso de informação, o
jovem ainda não assimilou tais informações, ou seja, eles não as retêm, não as
transformam em
conhecimento. Talvez porque são informações desvinculadas de
afeto. Pode ser que mesmo depois de tanto tempo, ainda estejamos em vários
aspectos próximos daqueles jovens do verão de 42.
Voltando para a cena da primeira
transa do amigo de Hermie, temos mais uma vez a delicadeza, pois quando Hermie
e sua “namoradinha” se aproximam e observam os amigos transando nada nos é
mostrado, a não ser a fisionomia transtornada de ambos diante de algo que
desconheciam por completo, nenhum barulho ouvimos, muito menos gemidos, esta é
a diferença de um filme de Mulligan para outro cineasta que poderia vulgarizar
a cena, com sons ou cenas de nudez, que são totalmente desnecessárias, o maior
impacto está justamente na reação de quem está vendo o que está acontecendo, e
é justamente este impacto que o diretor quer nos mostrar.
A fotografia do filme estimula o
clima de romantismo: as várias cenas da praia, a casa de madeira de Dorothy no
penhasco, o som do mar na cena mais importante... A iluminação é clara, suave,
instigando certo ar de inocência. Nas primeiras cenas, a musa de nosso
protagonista nos é apresentada como uma “coroa” que aparenta de vinte e dois a
vinte e cinco anos de idade, para os garotos realmente uma “coroa”. A princípio
Dorothy nos é mostrada à distância, como que em sonho, em câmera lenta. Ela é
focalizada de longe, conforme aumenta o sentimento de Hermie bem como a
possibilidade de aproximação entre ambos é que ela deixa de ser aquele algo tão
distante e o plano de Mulligan nos aproxima de seu rosto. Podemos perceber
então que a razão da paixão não é infundada, ela é muito bonita, mas não
utiliza a beleza para demonstrar soberba, mas sim para transmitir simpatia com
seu lindo sorriso. O marido que vai para a guerra não é focalizado, ele é visto
apenas de perfil ou de costas, não há close de seu rosto, é um personagem que
não interessa a Hermie e, portanto também deve ser ignorado por nós, uma vez
que a câmera nos mostra apenas aquilo que é visto pelo nosso protagonista.
Quando Dorothy despede-se do marido temos então o início do Verão de 42.
Dorothy vê com simpatia a
aproximação do garoto, ela está só. Percebemos desde o início que é recém-casada,
habitando na ilha há pouco tempo. Hermie torna-se seu ajudante, auxiliar de
pequenos afazeres domésticos que tenta a todo custo demonstrar mais idade
afastando-se dos amigos e passando a se vestir de maneira mais cuidadosa. Ele a
admira, a respeita e se satisfaz em estar próximo. Sua paixão é tão idealizada
que sua sexualidade é sufocada diante dela. Entretanto na cena muito engraçada
da escada ele treme de corpo e alma observando de perto detalhes do corpo
feminino fruto de sua paixão. Tudo está lá diante de um palmo dos seus olhos:
as pernas perfeitas, as nádegas em um shorts diminuto... Dorothy não faz a
menor força em ser sensual, não tem interesse em seduzi-lo ou provocá-lo, daí
nasce o encanto da cena, trata-se de um momento natural, espontâneo, tanto para
Hermie como para Dorothy.
Já a cena de sexo entre eles é uma
das mais belas expressões de amor captadas através de uma câmera:
Dorothy acabou de receber o
telegrama anunciando a morte do marido quando chega Hermie, que lê a notícia,
mas demora a encontrá-la. Ela aparece e nada diz, não é mais a exuberância da
beleza, mas é isto sim o retrato da dor em seus mais íntimos e delicados
detalhes. Hermie sabe disso, percebe isto, mas não consegue dizer nada a não
ser acompanhar os movimentos de sua musa. Ela vai até a vitrola e coloca o
disco com a trilha do filme, a maravilhosa música de Michael Legrand. Aproxima-se
dele, e encosta a cabeça em seus ombros, ele a abraça timidamente, cada gesto é
simples, contido, não há exageros nem precipitação. A sensualidade está no
close de seus pés que estão descalços, eles começam a dançar lentamente até o
término da música. A câmera começa a dar close no rosto de Hermie que está
chorando, as lágrimas escorrem pelo seu rosto e neste momento temos o
nascimento de um homem. Não foi a relação sexual que se aproximava que
representou o rito de iniciação para a vida adulta, mas sim o seu choro, sua
capacidade em captar e interagir com a dor alheia.
A música termina, ela pega em sua
mão e o leva para o quarto, não há diálogo, as palavras são inúteis. Hermie é
guiado por ela, ele simplesmente a acompanha, se deixa levar por algo muito
mais forte que ele, algo que ele não tinha idéia que existisse. Eles se beijam,
ela se vira para ele e começa a tirar sua roupa, se despe não para um amante,
mas para si mesma. Procura a ternura de um abraço, um toque que faça com que
ela se sinta viva. Ela busca naquele momento amar para poder demonstrar para si
própria que não está morta. Não ouvimos gemidos, não há imagens de sexo, vemos
os objetos do quarto como o abajur e principalmente, ouvimos o som do mar, todo
o simbolismo das ondas que vão e vem, assim como a vida daqueles dois
personagens que nunca mais seria a mesma depois daquele momento. O amor entre
eles é repleto de carinho, de demonstrações de afeto, mas não é capaz de trazer
a alegria perdida para Dorothy, muito menos a conquista da mulher amada para
Hermie, é apenas e tão somente a possibilidade de mantê-los vivos diante da
incompreensão da vida.
Dorothy se levanta e sai do quarto,
pouco depois Hermie faz o mesmo, a câmera está fora da casa da madeira. Agora
somos nós que vemos Hermie através da câmera de Mulligan, o acompanhamos
atravessar todo o interior da casa e sair na sacada onde observa Dorothy de
costas para ele. É apenas neste momento que ela diz algo: “Boa noite”. Sabemos
que eles não se tornariam a ver o que é constatado nas cenas seguintes com a
carta que ela deixa para Hermie, onde diz que um dia ele irá entender o que
aconteceu naquela noite e que ela iria rezar muito para que ele fosse uma
pessoa livre de tristezas.
Em um show realizado em 1970, Sérgio
Endrigo disse que era criticado porque suas músicas de amor eram tristes. Ele
respondeu dizendo que “o amor se canta quando se está com um grande problema
para se resolver, quando há desilusão, quando se está feliz no amor se é feliz e
basta não que o amor seja uma coisa estúpida, mas...”.
Em Verão
de 42, tive a mesma sensação. Por que o que fica mais forte em nossa
memória são os momentos de tristeza?
É justamente isto que os românticos
ainda não souberam responder.
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